segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A nova crise do Estado Soberano (II de II)

II de II - O Poder e a Liberdade

A crise do Euro expôs politicamente a fragilidade do conceito de união monetária europeia com controlo somente sobre duas das três ferramentas de estabilização económica. Apesar de ter funcionado por alguns anos com apenas o poder monetário e o poder cambial, o sucesso da união económica carece de um poder orçamental maior – uma união fiscal.

O mais político e o mais polémico dos três poderes já se encontra contratualmente comprometido através dos programas de empréstimos do FMI e BCE, e com o recente acordo intergovernamental europeu. Aliás, a própria nomenclatura da crise da dívida soberana de alguns estados da Área do Euro é reveladora daquilo que está em causa. Mas a crise do Estado soberano não tem só que ver com soberania económica perante credores, é a pressão da delegação legítima do poder orçamental para uma união fiscal que agita todos os Estados-membros da Área do Euro. Estamos por isso novamente perante uma outra crise de poder, uma transformação do poder.

Confrontando oportunamente com o conceito do Professor Francês Stéphane Rials que conflui de um modo estrutural e intrínseco Estado com Crise: “O Estado é o lugar onde a sociedade se reflete, se mediatiza, se pensa, se torna a instância onde se têm de regular o conjunto das crises e das tensões da sociedade” (Stéphane Rials in Maltez, 2004), verificamos que é novamente o elemento Poder político que está em crise, em tumulto, em transformação, até porque os restantes dois elementos constitutivos do conceito de Estado (o Povo e o Território) se mantêm.

Nesta perspetiva de crise = transformação, não se implica necessariamente qualquer perca de soberania, até porque se trata de Tratados, cuja vigência não é inextinguível nem a sua jurisdição prejudica o direito internacional que por seu lado mantém a soberania como direito legal que assiste aos Estados. Daí que esta negociação de poder na Europa, que continua dominando a conjuntura internacional do contexto da crise do Euro, traduz sim mais um elemento de transformação do modelo de Estado soberano, uma gestão de crises, sem que isso se revele necessariamente destrutivo para a independência ou a liberdade dos povos, “Está em crise o poder, não está em crise a liberdade. O poder nasceu para se discutir, a liberdade para o discutir” (Maltez, 2004).

Daí que no contexto atual, o pernicioso e grande causa de melindre dos líderes europeus dos Estados mais fragilizados não seja tanto a crise da soberania legal mas sim a falta de liberdade (e democracia) para discutir o poder e esta transformação do poder, que advém da consentida supremacia de facto do recém-formado Diretório informal (Franco-germânico) da União Europeia.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A nova crise do Estado Soberano (I de II)

I de II - A Globalização Soberana


“… O valor da Nação permanece. O que não permanece é a funcionalidade do Estado-soberano, que não é sempre a resposta procurada para a defesa da identidade nacional…” – Adriano Moreira


A depressão económica atual veio de fato evidenciar algumas ameaças da globalização económica e de como os sistemas políticos de organização societária estão impreparados e imaturos para lhe fazer frente.


A denominada crise do Estado soberano não ocorre por conjuntura, por um percalço na história política ou por um ataque de outra tendência organizacional. A crise do Estado Soberano reflete-se numa transformação natural e progressiva, que através de convulsões sequenciais adapta a organização política predominante ao novo ambiente relacional societário.


Cada vez mais longe da organização tribal dispersa por aldeias, a nova ordem de aproximação civilizacional vê-se obrigada a relativizar a soberania entre comunidades. O território é cada vez mais um só e o conceito já consolidado de “Aldeia Global” exprime a necessidade de trocar as barreiras do individualismo dos povos por cooperação entre um povo alargado ao tamanho do mundo.


Além da aproximação física e intelectual com a globalização dos transportes e comunicações, uma identidade supranacional está cada vez mais presente. Não existe coisa como perca de cultura, mas a multiculturalidade nas suas formas de diversidade concentrada e de encontros fundidos traduz um novo patamar de cultura comungado pelos povos.

A ordem, a lei e os costumes encontraram novos níveis de padronização e proporcionaram uma maior pertença e comunidade mundiais, sobretudo com o evoluir das relações internacionais, políticas e económicas, e cada vez mais afirmado com as organizações internacionais (governamentais e não governamentais), no direito internacional, nas empresas transnacionais e até na solidariedade internacional.


E se já houvera Estados com mais que uma nação, hoje os Estados supranacionais emergem na ordem internacional com um respetivo supra poder político legitimado pelos poderes políticos delegantes (o que significa que só pode haver poder supranacional quando os respetivos Estados detêm soberania).

A forma dominante da cooperação entre Estados já não é a bilateral e o Tratado ganha novo realce no paradigma globalizado. As coletividades administram-se assim em mais níveis, inferiores regionais, e superiores transnacionais, e o projeto da União Europeia é, por excelência, a vanguarda desta tendência.

...