sábado, 25 de fevereiro de 2012

As "barragens ambientais" (II de II).

II de II - A Barragem do Direito.

A existência de uma barragem equivale a uma supressão de um curso natural de um rio, ao impedimento da livre circulação de sedimentos e seres aquáticos, ao afogamento de grandes secções de paisagem (vales), e à sua conversão num elemento novo – a albufeira. 
Todas estas transformações geram habitats artificiais em substituição de muitos mais outros naturais. 
Para além desta destruição ambiental, esta mutação da paisagem levada a cabo com fins energéticos provoca ainda efeitos e desequilíbrios diretos e indiretos que potenciam a fragilidade ou mesmo a eliminação de outras espécies e ecossistemas, em zonas fora das áreas primárias estudadas como impactadas.
O impacto destes empreendimentos é de tal forma sentido no ambiente que as Associações de Defesa do Ambiente e outros movimentos cívicos (ainda que sem a mesma autoridade legal) são especialmente sensibilizadas e motivadas a agir e protestar para contrariar os perigos e as ameaças ambientais que estes empreendimentos prenunciam.

O deficit energético do país é a grande justificativa política usada pelo poder político para justificar todo o projeto hidroeléctrico, substituindo a qualidade ambiental por Mega Watts de produção. Contra esta política  dita “barata“ de obra pública de custos financeiros enormes e ambientais virtualmente incalculáveis, as associações de Defesa do Ambiente agem com o intuito de justificar e pressionar para a opção de políticas alternativas amigas do ambiente, como sejam as de melhoria da eficiência energética, a redução do consumo e do desperdício.

Da perspetiva dos grandes princípios de Direito do Ambiente, as opções por barragens para fins energéticos são um atestado do desrespeito sofrido pelo Direito Ambiental que nesta situação é subvertido ao interesse económico. Globalmente, e apesar dos esforços dos processos de Avaliaçao de Impacte Ambiental, os princípios da prevenção e da correção na fonte são apartados da equação do projeto pois os danos de uma barragem no ambiente são desde logo tidos como danos colaterais assumidos a partir do momento em que a viabilidade económica ultrapassa o prejuízo ambiental global estimado. Em sequência dessa perda assumida, o processo de AIA procura assimilar e prever medidas ambientais compensatórias que não têm necessariamente que se relacionar com a tipologia dos danos que pretendem compensar. Um bom exemplo é todo o projeto de recuperação do lince Ibérico como medida compensatória pela perda de biodiversidade causada pela construção da barragem de Odelouca. Ao abrigo extrapolado do princípio do poluidor pagador as “medidas compensatórias” são previstas nos projetos inclusive quando os impactes não são evidentes, mensuráveis ou comprováveis, isto deve-se à aplicação de outro grande princípio, o da precaução.
Especificamente, estes grandes princípios têm vindo a ser aplicados em situações pontuais, à medida dos avanços da tecnologia, da engenharia e da pressão pela valorização do Direito Ambiental. Por exemplo, quando o projeto de um açude contempla um mecanismo que permita a ascensão dos peixes que naturalmente subiam pelo curso natural do rio, ou quando num projeto de uma barragem são engenhados sistemas responsáveis pelo transporte contínuo de sedimentos para jusante.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As "barragens ambientais" (I de II).

I de II - O que barra a barragem.

A produção de energia hidroeléctrica implica desde logo o uso de um recurso natural – o movimento natural da água dos rios causado pela força gravítica em função da topografia.
Ora na Lei de Bases do Ambiente, a qual define das bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição da República Portuguesa, verificamos que este aproveitamento pode ir ao encontro da sua alínea h) do artigo 4.º, em que a política energética deve ser baseada no aproveitamento racional e sustentado de todos os recursos naturais renováveis. Contudo, apesar da energia produzida pelas barragens ser considerada renovável graças à reposição das massas de água de jusante para montante pelo ciclo natural hídrico, na verdade, este aproveitamento energético não está livre de prejuízos ambientais, pelo contrário.

Quando nos referimos a ganhos em termos de independência energética, falamos de sustentabilidade económica e não ambiental. Não podemos assim ignorar que a construção de barragens é uma obra que requer desde logo um gasto de energia colossal especialmente com transportes e logística, trabalhos de perfuração, movimentação de terras, fabrico manuseamento de materiais como o betão e o aço. Estes materiais para serem empregados em obra geram por sua vez um enorme gasto de energia com a mineração, extração e transformação dos seus componentes. Todo este enorme gasto de energia na construção cujo cálculo apenas pode ser estimado, obriga a que a barragem tenha de funcionar durante vários anos apenas para produzir a energia equivalente à que consumiu. Por outras palavras, uma barragem em funcionamento só começa a dar “lucro energético” após vários anos de produção.

De uma perspetiva da conservação da natureza, da biodiversidade e das paisagens, toda a barragem é invariavelmente uma agressão de grande impacto e daí estar estipulado legalmente que a sua natureza justifica que todas as barragens (pelo menos todas as cuja potência seja superior a 20 MW) devam ser submetidas a Avaliações de Impacte Ambiental (AIA).

O próprio nome "barragem" denuncia a agressão ambiental pois uma barragem serve para barrar, impedir, neste caso um movimento que é natural, indispensável à existência de ecossistemas no seu estado normal, quer fluviais quer terrestres, de toda a bacia hidrográfica respetiva a montante, afetando ainda toda a estrutura biológica e geológica fluvial e costeira a jusante...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A nova crise do Estado Soberano (II de II)

II de II - O Poder e a Liberdade

A crise do Euro expôs politicamente a fragilidade do conceito de união monetária europeia com controlo somente sobre duas das três ferramentas de estabilização económica. Apesar de ter funcionado por alguns anos com apenas o poder monetário e o poder cambial, o sucesso da união económica carece de um poder orçamental maior – uma união fiscal.

O mais político e o mais polémico dos três poderes já se encontra contratualmente comprometido através dos programas de empréstimos do FMI e BCE, e com o recente acordo intergovernamental europeu. Aliás, a própria nomenclatura da crise da dívida soberana de alguns estados da Área do Euro é reveladora daquilo que está em causa. Mas a crise do Estado soberano não tem só que ver com soberania económica perante credores, é a pressão da delegação legítima do poder orçamental para uma união fiscal que agita todos os Estados-membros da Área do Euro. Estamos por isso novamente perante uma outra crise de poder, uma transformação do poder.

Confrontando oportunamente com o conceito do Professor Francês Stéphane Rials que conflui de um modo estrutural e intrínseco Estado com Crise: “O Estado é o lugar onde a sociedade se reflete, se mediatiza, se pensa, se torna a instância onde se têm de regular o conjunto das crises e das tensões da sociedade” (Stéphane Rials in Maltez, 2004), verificamos que é novamente o elemento Poder político que está em crise, em tumulto, em transformação, até porque os restantes dois elementos constitutivos do conceito de Estado (o Povo e o Território) se mantêm.

Nesta perspetiva de crise = transformação, não se implica necessariamente qualquer perca de soberania, até porque se trata de Tratados, cuja vigência não é inextinguível nem a sua jurisdição prejudica o direito internacional que por seu lado mantém a soberania como direito legal que assiste aos Estados. Daí que esta negociação de poder na Europa, que continua dominando a conjuntura internacional do contexto da crise do Euro, traduz sim mais um elemento de transformação do modelo de Estado soberano, uma gestão de crises, sem que isso se revele necessariamente destrutivo para a independência ou a liberdade dos povos, “Está em crise o poder, não está em crise a liberdade. O poder nasceu para se discutir, a liberdade para o discutir” (Maltez, 2004).

Daí que no contexto atual, o pernicioso e grande causa de melindre dos líderes europeus dos Estados mais fragilizados não seja tanto a crise da soberania legal mas sim a falta de liberdade (e democracia) para discutir o poder e esta transformação do poder, que advém da consentida supremacia de facto do recém-formado Diretório informal (Franco-germânico) da União Europeia.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A nova crise do Estado Soberano (I de II)

I de II - A Globalização Soberana


“… O valor da Nação permanece. O que não permanece é a funcionalidade do Estado-soberano, que não é sempre a resposta procurada para a defesa da identidade nacional…” – Adriano Moreira


A depressão económica atual veio de fato evidenciar algumas ameaças da globalização económica e de como os sistemas políticos de organização societária estão impreparados e imaturos para lhe fazer frente.


A denominada crise do Estado soberano não ocorre por conjuntura, por um percalço na história política ou por um ataque de outra tendência organizacional. A crise do Estado Soberano reflete-se numa transformação natural e progressiva, que através de convulsões sequenciais adapta a organização política predominante ao novo ambiente relacional societário.


Cada vez mais longe da organização tribal dispersa por aldeias, a nova ordem de aproximação civilizacional vê-se obrigada a relativizar a soberania entre comunidades. O território é cada vez mais um só e o conceito já consolidado de “Aldeia Global” exprime a necessidade de trocar as barreiras do individualismo dos povos por cooperação entre um povo alargado ao tamanho do mundo.


Além da aproximação física e intelectual com a globalização dos transportes e comunicações, uma identidade supranacional está cada vez mais presente. Não existe coisa como perca de cultura, mas a multiculturalidade nas suas formas de diversidade concentrada e de encontros fundidos traduz um novo patamar de cultura comungado pelos povos.

A ordem, a lei e os costumes encontraram novos níveis de padronização e proporcionaram uma maior pertença e comunidade mundiais, sobretudo com o evoluir das relações internacionais, políticas e económicas, e cada vez mais afirmado com as organizações internacionais (governamentais e não governamentais), no direito internacional, nas empresas transnacionais e até na solidariedade internacional.


E se já houvera Estados com mais que uma nação, hoje os Estados supranacionais emergem na ordem internacional com um respetivo supra poder político legitimado pelos poderes políticos delegantes (o que significa que só pode haver poder supranacional quando os respetivos Estados detêm soberania).

A forma dominante da cooperação entre Estados já não é a bilateral e o Tratado ganha novo realce no paradigma globalizado. As coletividades administram-se assim em mais níveis, inferiores regionais, e superiores transnacionais, e o projeto da União Europeia é, por excelência, a vanguarda desta tendência.

...