quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Emprego XXI: Um novo significado (II de II)

(II de II): No Futuro - Emprego e/ou servidão?

A residência pessoal, por seu turno, representa hoje mais um complexo gerador de limites e menos um abrigo seguro e estável. Se o “trabalho para a vida” era um marco de estabilidade, a “residência para a vida” era uma certeza.

Contudo, hoje o emprego está a deixar de ser um dado adquirido, e, de uma espécie de rito de iniciação e permanência obrigatória na sociedade adulta, está a tornar-se numa frágil aventura composta por uma série de peripécias com percalços e reviravoltas ao longo da vida, facultativa para alguns.

Apesar disso, a flexibilidade da morada não tem acompanhado a flexibilidade laboral (sobretudo em Portugal onde o mercado de arrendamento não consegue competir com a cultura da casa própria), levando a que as deslocações casa-trabalho se tenham esticado na distância e no tempo dispendido.

Assim é hoje cada vez menos comum a edificação, por parte das fábricas, de “bairros operários” que consolidavam comunidades proletárias. Em vez disso, assiste-se ao aumento da desterritorialização das comunidades trabalhadoras.

A forte competição no mercado laboral aliada às progressivas facilidades de transportes e comunicações submetem as pessoas a trabalhar cada vez mais longe da sua residência abrindo mão de sentimentos afectivos para com o “local de trabalho” e respectiva comunidade local. A desconfiança e quezílias atingem as relações laborais ocupando o espaço consignado a sentimentos de
partilha e de amizade em comunidade, prejudicando inclusive o desempenho da empresa e contribuindo indirectamente para mais precariedade.

A contrapor este ciclo vicioso, a protecção do trabalhador e a regulação do trabalho remunerado trouxe limites ao egoísmo com que uma empresa podia usar e dispor da força de trabalho, convidando à constante concertação entre partes. Aliás, as necessidades de inovação e adaptabilidade impostas ao panorama empresarial reflectem-se dentro das organizações resultando em maior frequência de actualização o que as obriga a um mais intenso relacionamento entre gestores e geridos numa perspectiva de interdependência.
Assim, ultrapassada a primazia do taylorismo e da indústria de massas, a perspectiva pós-fordista veio reposicionar o trabalhador para dentro do espírito da empresa, deixando a mão-de-obra de ser uma matéria-prima ou uma mera ferramenta para passar a ser as mãos, os braços e os próprios sentidos da organização (influenciando directamente as decisões e políticas empresariais dos patrões).


A população activa está numa tendência de envelhecimento (muito devido ao envelhecimento generalizado da população portuguesa), mas se na população de idade mais avançada as mudanças pró-flexibilidade lhes parecem inimigas, para os jovens o “choque” é mais abrangente.

As gerações que recentemente iniciaram a sua vida activa foram instruídas com a experiência dos seus familiares e amigos mais próximos, em especial os pais. Mas no actual mercado laboral já não há lugar para a figura tradicional do “chefe de família” dos tempos em que era comum a remuneração de um dos elementos do casal suprir as despesas do agregado. Hoje tanto os homens como as mulheres, cujas diferenças no mercado de emprego decrescem a passos largos, querem e podem aspirar a carreiras profissionais longas, independentemente do ramo.
Se antes a generalidade das pessoas ocupava a vida na profissão com que iniciara a vida activa a ela ficavam intrinsecamente associadas e com elas eram identificadas pelas comunidades, nas novas gerações isso é excepção.


Estamos longe das taxas de desemprego de 3,9% (2000) e hoje com recordes de desemprego, a competição pelo emprego tornou-se mais concorrida, mais complexa e mais exigente, tanto quanto mais qualificação o posto de trabalho requerer.

Mas apesar da crescente frustração na população recém-licenciada, os estudos universitários continuam a compensar bastante para a empregabilidade. Em 2009 por exemplo, a taxa global de desemprego foi de 9,5% enquanto que para a população com um diploma do ensino superior foi de 6,4%. Também ao nível das remunerações a qualificação compensa: os quadros superiores auferem cerca de quatro vezes mais que os trabalhadores não qualificados.
Em suma, é justo dizer que se para as gerações anteriores o diploma era tido como um privilégio de poucos, em pleno século XXI é um requisito universal...

Licenciados ou não, os jovens estão cada vez mais aflitos. Porém não seremos deolindamente parvos por procurarmos formação. As universidades nunca existiram para garantir empregos mas para formar mentes e espíritos capazes de ser e de produzir o que antes lhes era miragem.
O problema do (des)emprego é económico. Quando a universidade se tornar numa mera casa de formação profissional, haverá outro reduto da busca do conhecimento e respeito pela identidade humana?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Emprego XXI: Um novo significado (I de II)

(I de II): A precarização do valor do trabalho.

Na sociedade moderna o trabalho - remunerado ou não - sempre constituiu uma permanente forma de expressão e de reconhecimento da nossa utilidade na sociedade. Com ele afirmamos a nossa dignidade e nos diferenciamos com os nossos talentos. Através dele atingimos novos graus de emancipação e autonomia e com ele nos integramos nas nossas comunidades. É ainda através do trabalho que nos empossamos de satisfazer grande parte das nossas necessidades e desejos.
Todavia, não param as evoluções quanto ao modo como consideramos o trabalho, o estar-se empregado ou o estar-se ocupado.

Vários factores de ordem económica e social fizeram com que nos últimos decénios a produção industrial tenha sido substituída pela promoção comercial enquanto principal preocupação de uma empresa. Hoje é o marketing que domina a estratégia empresarial num mundo extremamente competitivo em que quem lucra não é quem consegue produzir mais mas sim quem melhor responde aos anseios do cliente. Enquanto que o tradicional taylorismo desmembrou o trabalho em acções individualizadas passíveis de padronização e remuneração colocando todo o ênfase competitivo na eficácia produtiva, este salto económico levou as empresas a dependerem sobretudo da sua capacidade de inovar e de se adaptar a novos tempos e tendências.

Ora se no século XX, o século do taylorismo e do fordismo mecanizado, as valias do trabalhador dependiam da solidez e estabilidade das suas competências e comportamentos, exigidas até pela lógica das linhas de produção, no novo milénio o novo modelo empresarial da inovação e adaptação passou a exigir trabalhadores mais qualificados e capazes de acompanhar as mudanças necessárias. Assim as empresas passaram progressivamente a promover e a valorizar a polivalência e a versatilidade das pessoas e a introduzir gradualmente uma cultura de flexibilidade.

De seguida aborda-se relação entre a precariedade laboral e a evolução do assistencialismo estatal e a sucessiva instalação de direitos laborais.
Tendencialmente o estado social disponibiliza protecções sociais na forma de subsídios monetários, regalias e serviços subsidiados que reduzem a percepção da importância do emprego enquanto garante do progresso e da segurança material do indivíduo. Sem prejuízo dos benefícios da solidariedade e da protecção no desemprego, é facto que o trabalho remunerado tem perdido algum do seu encanto enquanto forma privilegiada de participação na vida social.
A redução de necessidade do emprego faz com que também o desemprego tenha perdido algum do seu drama e de facto auto-estimula-se. Instituições como o subsídio de desemprego faz com que as pessoas estejam dispostas a esperar mais tempo por um emprego que realmente lhes agrade.

Aliás, os últimos progressos do estado social promovem inadvertidamente algum enfraquecimento dos valores socialmente construtivos que emanam do trabalho. O economista Abel Mateus justifica que quanto mais elevados são os custos de despedimento mais os recursos humanos estão detidos em sectores de tecnologia obsoleta ou de baixa produtividade por mais longo tempo. Isto significa que, à parte das implicações económicas, a retenção de trabalhadores por motivações mais administrativas que técnicas, despoleta uma desmoralização generalizada e um descrédito no trabalho em si, composta por uma redução da afeição (dos trabalhadores) e do reconhecimento (por empregadores).

Se antes os patrões despediam a seu belo prazer, também contratavam com grande à vontade.
Já nos dias de hoje, a regulação trouxe um maior receio de firmar compromisso com novos
trabalhadores, e faz sobressair nos patrões uma desconfiança maior sobre os contratos existentes - precariedade laboral.

Do outro lado da barreira os empregados não são insensíveis a isto e as suas ambições/preocupações enquanto empregado deslocam-se do bom desempenho para o bom “agradamento”, a par de um maior receio de ser despedido – mais precariedade laboral.

A precariedade gerada pela flexibilidade não mudou apenas a percepção das pessoas sobre o trabalho remunerado. Também as relações e comportamentos sociais têm sofrido alterações. Com a redução do tempo médio de permanência no mesmo trabalho (mesmo local, mesmo posto, mesma função ou mesma empresa), os laços sociais que a ocupação laboral proporcionava directamente diminuíram de intensidade e de frequência...

continua...