sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Reforma Administrativa das Autarquias (II de III)

A reorganização territorial.

Portugal consegue a proeza de ser dos países desenvolvidos com mais autarquias locais por metro quadrado e por habitante e paradoxalmente ser dos únicos não regionalizados.

Apesar da revolução das últimas décadas no que respeita a infra-estruturas rodoviárias, telecomunicações e e-governance, Portugal continua com a mesma municipalização territorial do Séc. XIX.

Hoje não são só os Distritos que estão para ser extintos desde o tempo do Estado Novo.
Se queremos agilidade burocrática, não podemos continuar sem justificação nem critério outro que o do "já estava assim antes", a ter uma série de municipalidades com menos de 2 mil habitantes, várias freguesias para gerir a mesma rua e juntas de freguesia para gerir menos de 200 habitantes. Repare-se que estas autarquias têm as mesmas competências e os mesmos encargos que os municípios ou freguesias cinco vezes mais populosos.

Esta reforma devia ser o topo das prioridades para os apologistas do municipalismo!
Como querem por um lado descentralizar e continuar a delegar competências do governo central nas autarquias e por outro lado querem aumentar os limites à contratação de recursos humanos se há esta tal disparidade administrativa? As associações de pequenos municípios não fazem milagres, nem tão pouco promovem a solidariedade dos mais ricos para os mais despovoados e muitas vezes acentuam até a própria disparidade resultando em fundos concentrados nos municípios mais representados enquanto que projectos de cariz regional não saem do esboço. Veja-se o caso do Algarve com uma óptima Associação de longa data mas que não consegue edificar um único projecto regional estruturante nem ajudar, o que quer que seja, o grande investimento privado.

Fala-se do difícil emparcelamento agrícola (que só vingará por via do cooperativismo). Pois só com este emparcelamento territorial administrativo se poderá criar condições para que competências como por exemplo a polícia urbana, escolas básicas e secundárias (incluindo professores), segurança social e formação, ou transportes públicos possam receber gerência dos municípios. Por seu lado as Juntas de freguesia poderiam receber uma série de competências ao nível de serviços urbanos como espaços verdes, limpeza urbana, passeios e sinalética (aumentando as transferências da Câmara Municipal através de contratos programa e protocolos).
Só como exemplo, faz-se o exercício de calcular uma plataforma de critérios (primários) do tipo:
- Extinção de Municípios que cumulativamente não sejam Cidades, não tenham mais de 10.000 eleitores nem mais de 600km2 de território;
- Extinção de Freguesias que cumulativamente não sejam Vilas, não tenham mais de 1000 eleitores nem mais de 70km2
Na falta de concertações políticas para melhor, bastaria esta bitola por baixo e bastante justa para com municípios mais desertificados, para resultar na redução do volume total de municípios de 15 a 25%, e de Freguesias de 10 a 15%
Ora se passarmos dos actuais 308 Municípios e 4 260 Freguesias para 250 e 3700 respectivamente, não significa redução das despesas correntes, então o que será?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Reforma Administrativa das Autarquias (I de III)

O Poder local e a burocratização.

Nos municípios, o obsoleto modelo dos executivos municipais carece de evolução. Se um modelo de nomeação colegial de executivos é suficientemente bom para a eleição do governo do país e para a eleição das mais de 4 mil freguesias, porque não resultará para os municípios?
E se mesmo a um governo minoritário (ou junta de freguesia minoritária) é-lhe incumbido nomear e gerir todo o executivo para que possa governar, porque é que nos municípios isso não é permitido?
A representatividade proporcional por cargos políticos faz-se nas assembleias.

É o actual modelo municipal que temos que nos permite o caricato de poder ter no mesmo município um Presidente de Câmara de um partido A, maioria absoluta de uma partido B, e ainda uma maioria absoluta de um Partido C na Assembleia Municipal!

As câmaras municipais tendem a delegar as competências delegáveis no Presidente de Câmara, sobretudo quando em maioria.
Porque não assumi-las desde logo? Porque não repartir as competências da Câmara Municipal não delegáveis, pela assembleia Municipal e algumas até pelas Juntas de Freguesia?
O Estado Autárquico deve reconhecer de facto que o tempo do feudalismo acabou e que o poder deliberativo deve ser distribuído de forma eficiente e a responsabilização deve ser efectiva.

Se queremos as assembleias com mais poderes e produtividade na fiscalização do executivo, devemos começar pela própria nomeação do executivo, e esquecer a arcaica vereação opositora. Melhor que dentro do executivo municipal minando e burocratizando processos, as tarefas de oposição e construção democrática fazer-se-ão melhor em Assembleia cujas reuniões não devam ser apenas encontros esporádicos a legitimar o consumado mas sim reuniões frequentes de expressão da vontade popular, com controlo e construção das políticas autárquicas. Também as Assembleias de freguesia têm hoje muito maior capacidade representativa do que uma Câmara Municipal para debater temas muito locais como um espaço verde ou um caminho por arranjar.

Já se imaginou a poupança em regalias de vereadores de oposição e reuniões de câmara semanais? Mesmo que parte desses recursos poupados sejam gastos em melhorar as condições dos órgãos colegiais, o país tem a ganhar bastante dinheiro e mais importante ainda, desburocratização.

A agilização de todos os processos que não têm que esperar por quóruns significam em muitos casos a diferença entre acontecer ou não acontecer (uma ajuda, um investimento, um licenciamento, uma solução)...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A república está morta! Viva à república?

No 867.º aniversário da independência de Portugal (Tratado de Zamora), comemora-se os cem anos de república, o que equivale dizer cem anos sem rei.
Não deixo de assinalar que foi também à cem anos que o Reino do Algarve deixou de constar na lei fundamental da nação e o mesmo não chegou mais a ser reivindicado...

A discussão regimental continua nos dias de hoje, acentuada mesmo pela crise económica e pelo défice democrático que actualmente vivemos.
As sondagens conhecidas revelam que em 1999 (Selecções do Reader’s Digest), 12% dos inquiridos preferiam uma monarquia em Portugal. Em 2004 (Correio da Manhã), apenas 68% dos inquiridos preferiam a república.
Mais recentente, 2010 (Marktest), já somente
37% dos inquiridos afirmam que estaríamos pior se Portugal tivesse continuado com monarquia, ressalvando-se quase 30% de indecisos!
Uma evoluçaõ que merece toda a atenção.
Não se consegue provar por A+B que com um sistema de Monarquia Constitucional Democrática Parlamentar aplicado em Portugal nos permita alcançar os melhores padrões da União Europeia melhor que com um regime republicano. Contudo, o modernista regime Semi-presidencialista Parlamentar já provou cientificamente a sua ineficiência e três repúblicas depois, o país continua esganiçado na cauda da Europa.

Há alguma evolução positiva em Portugal dos últimos cem anos, que não pudesse ter surgido vivendo em Monarquia Parlamentarista?

Qual o melhor regime para Portugal?O curioso e infeliz é que na generalidade, tanto os republicanos como os monárquicos recorrem a argumentos passadistas. Na monarquia. uns vêm o absolutismo de soberanos passados e outros uma independência majestosa do desígnio nacional.Na república, uns vêm a liberdade do cidadão comum alcançar o poder máximo, outros vêm na república o falhanço da classe política por negociarem o poder pelo poder.
Este conflito tem ainda mais relevância pelas feridas deixadas pela forma abrupta como se transitou de regime, 2 anos após
um regicídio, levado a cabo por uma organização iberista que nos dias de hoje se chamaria de "terrorista" e que viu a sua bandeira tornar-se bandeira nacional, e também pela forma muito pouco democrática que ainda hoje se obriga o país ao regime republicano e mais nenhum (Constituição Portuguesa).

A história cabe aos vencedores, mas os valores da liberdade e da democracia não são pertença de republicanos nem de monárquicos. E à parte de falsos dogmas como o eleito/hereditário ou cargo vitalício/cargo limitado, a real diferença regimental entre o sistema republicano e o monárquico incide tão somente sobre o cargo de Chefe de Estado ser ocupado por um Presidente ou por um Monarca. Em ambas as formas a própria eleição/nomeação pode ocorrer de várias formas, mais ou menos directas assim como as limitações do cargo podem ser estipuladas em ambas as situações.
Poder-se-á mesmo considerar que uma monarquia com um mau rei é pior que uma república com um mau presidente, mas o q
ue é mau para uns, pode ser bom para muitos outros, e num país carente de estadismo, a forma electiva de um chefe de estado distorce as virtudes e as competências de quem exerce, rendido aos caprichos do quotidiano partidário, populista e clientelista.

Os esperançados monárquicos e os acomodados republicanos devem inferir sobre a actualidade e o futuro do país, num contexto internacional.
Não se trata do aferir se o modelo repúblicano está gasto porque está, nem de dar vivas ao rei como cura de todas as maleitas.
Mas a vontade popular cada vez melhor expressa em sondagem e o facto dos países com maiores Índices de Desenvolvimento Humano serem maioritariamente monarquias constitucionais, deve no mínimo justificar a inclusão da liberdade constitucional de escolha do regime, para que todos saibam que vivemos numa república por escolha e não por ditame. Um sinal de liberdade e confiança contribuindo sem dúvida para apaziguar o sentimento hoje cada vez mais enraizado de saudosismo pe
la figura do nosso último chefe de estado ditador...

Termino citando Vírgilio Castelo no seu recente Grande livro "O último navegador":
"A mim o que me parece é que a maneira de resolver a restauração da monarquia, passaria por duas questões. A primeira seria aproveitar o centenário da república no próximo ano, para a república mostrar finalmente a sua apregoada generosidade e fazer finalmente o referendo que é devido. Ou seja, deveria haver um referendo porque era uma maneira bonita da república demonstrar a sua legitimidade de cem anos – saber até que ponto o povo português quer a república – eu tenho a maior das dúvidas que queira. Não sou capaz de explicar isso de um modo científico, mas estou convencido que no dia em que for posta essa questão haverá muitas surpresas."